sexta-feira, 30 de março de 2018

PELES VERMELHAS

Escreves enquanto desenhas. Descobres a forma que te descobre. Tens na pele a cor vermelha. Não se sabe se do sangue, se da tua tribo, ou se és de todas tribos. Não podemos dizer não sabemos nada. Há sempre o limite, essa linha enquanto não vemos o que nos sai da matéria. E tudo enquanto não sai da linha. Poeira ao fogo, a seta escrita: Peles Vermelhas. Sentido confundem. Sentidos sentidos nos defenderemos. Peles Vermelhas. 

Para atacarmos a descoberta precisamos desorientar o presente. Zás de onde vem a guerra. Peles Vermelhas. Damos gasolina ao cronópio. Somos todos parentes, é qualquer dança o que viaja. Deixamos tomar-nos todo o exemplo. Entrará na carne se entretanto não for atingido pela flecha ao contrário. Acendalha. Não queremos necessariamente dizer nada. Marcamos a linha vivendo o traço a percorrer a vida o que desenha. Peles Vermelhas. 

Temos mais motores do que imaginamos. A nossa cidade é esmaga e densa a populosa. Espírito extravasa desenha forma. Peles Vermelhas. Não existem mãos para medir a megalópole. Só precisamos contar mais longe. Contemos com nadas. Assim se caminha com a chave há samurais. Muito frágeis quânticos oligarcas do sonho leveza pássaro um peixe nada. Uma montanha. Um vários um. A cor contra torcida maré. O som mais surdo é o volume mais alto. É o grito fundo do bosque África fábrica dentro dos túneis a Tundra Asiática. Peles Vermelhas. 

A derramar tintas a nova boa. Sorrindo a palavra forma. Atrás do Espírito Vento. Dentro de um tu e nenhuma parte. Rui A. Pereira.*

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* - Na livraria Círculo das Letras, rua da Voz do Operário, 62

109.


OLHO DE GOYA

Os tempos davam tempestade

Forte em certas alturas
Da estrada
Vinhas do País Basco
Reflectindo todo o sul
Da semana passada
Depois, enquanto escolhias dois robalos
Falavas da infância, das férias 
Chegado a casa, onde pudeste assentar 
Tomando consciência de envelhecer aquelas horas
Até teres mesmo de criar um novo emprego
E poderes ajudar este poema
Pensas na cerveja de Bilbau
Vem-te à ideia Orson Welles e os pombos correio de Euskadi,
Espanha-França-Espanha-França,
Mas sobretudo esse auto-retrato de Goya
Lembra-te bem, não se desviou de ti milimetro até ao fim da sala
Não te tirou os olhos o olhar
Trazia dito topei-te não tens escapa
E agora sabe exactamente onde estás 
Vivo dentro
Fora da miséria.

quinta-feira, 29 de março de 2018


     - Primeiro há os que escrevem, depois há os que escrevem o que escrevem. 






Este ponto de vista não é um ponto de vista. Não está no seu ponto de vista. É um ponto com vista, sim, uma vista com vários pontos. Mesmo à minha frente, tropical, a pequenina praia, ninguém,só eu mesmo neste improviso de esplanada com duas mesas, um Porto Tónico, uma caneta, o caderno onde escrevo, e centenas de pássaros exóticos escondidos em árvores por companhia, em cantos que eu nunca tinha ouvido, nem imaginava sequer que existiam. Não, este ponto de vista não é um ponto de vista. A beleza de nada vale quando apenas é sentida como um incómodo. Indiferente. Podia estar na mais lúgubre das cidades, no mais lúgubre dos subúrbios da Terra, num bairro de lata, numa lixeira. Sentiria o mesmo. Disso já fiquei com toda a certeza. Toda a beleza deste paraíso agora não passa de um atoleiro. Sentir-me assim para além da morte – tantas vezes penso: antes morresse – não deixa de constituir uma morte lenta por lenta asfixia – se assim não é, assim o sinto. Constatar que nunca respirei na vida oxigénio tão puro e faltar-me o ar. E se não há viver sem respirar, não existe respiração fora dela. Só desespero, desespero mais puro que o próprio ar, o mais puro desespero... Salve-se a ironia, uma ironia cruel, uma ironia que me sabe morder a cada instante, insaciável piranha. Se é para acabar comigo de uma vez por todas, siga la banda, atente-se no nome  deste mar: Oceano Pacífico. Pudesse eu sequer rir de mim próprio. Oceano Pacífico, ilha, resort exclusivo, recursos ilimitados, até ao fim da vida, que maravilha, quem dera, viver aqui neste exílio.... Viver para sempre, antes que acabe, não é? Antes acabar de uma vez por todas, é o que é. Torturar-me assim nesta saudade, veneno a corroer-me as entranhas, bactéria da minha aniquilação. Esta falta da minha Aurora é um morrer que nunca mais acaba.

quarta-feira, 28 de março de 2018

terça-feira, 27 de março de 2018

segunda-feira, 26 de março de 2018



De uma margem de prata, não se sabe quão antiga, abre sobre a vereda um trilho até esta minha velha casa onde se vê o mar anoitecer. Não está muito longe do porto, e os tons de prata, onde se intrometem pinceladas douradas, dizem, são ainda marcas desse opulento, famoso milenar naufrágio ao largo da ilha de Lontano, já lá vão três séculos. O que não faz grande a diferença, logo aqui, é como se o tempo parasse. O tempo é relativo, poderão dizer. Direi que não, que o tempo aqui é um absoluto, mais um absoluto, nunca abrevia, apenas condensa. Poderemos pressentir, enfim, suas próprias gradações dentro daquilo que se suporta na sua duração, porém as mesmas serão sempre medidas com uma lente de aumentar, o que vai da lupa ao microscópio. Depois há quem fique, depois há quem parta. Há quem nos fica, há quem se esqueça. Jorge Lisboa viveu na ilha seis meses, pareceram dez anos. Barco vem, semana vem, será o único de fora que se avistará na costa entre Domingo e Domingo. De resto, estamos todos entregues a meio serviço. Copo meio cheio ou meio vazio, assim é a escola, um posto médico, o mini-mercado, o restaurante, os dois cafés, o posto de correio, a biblioteca. Toda a ilha vive a ameaça iminente do vulcão e a gente não fica.





Marbella, casco antiguo, 2018




- Fatal erro de equilíbrio: confundir um desequilíbrio com um em desequilíbrio.





Nicanor Parra



- A liberdade precisa das mãos, as mãos precisam da forma.




sábado, 24 de março de 2018

108.


Máfia russa
Árabes agentes imobiliários
Mulheres com tusa
Restaurantes irados
5 a cada 500
Nesta Andaluzia de três casas
Atrás da montanha
Tudo é passadeira
Jóias iates ventures resort
Areias exclusivas
Mergulhos privados
Petróleos que se adiantam com um sorriso
A Espanha.

107.



ALARME EM MARBELLA


Quarenta minutos até ao viaduto
Por cima da auto-estrada
A pé
Tremia
Ganas de saltar fora
Mas foi ao encontro de uma desfeita
Sabotou a viagem
O cansaço, a febre, os tijolos 
Construíram o muro 
De acasos trabalhados
Não viajou a Málaga
Viu sim no casco histórico
As passadeiras só para dizer que
A outra já o era
Depois, na volta ao mediterrâneo adjectivo
De mais um Inverno ultrapassado
É outra a armadura ganha a invasão
Até não poder suportar mais
O estertor do ego alemão 
Achando que podendo assim compra
O código sul do esplendor romano
Depois, estes ingleses bárbaros
Emproam tanto o ar que a própria Natureza perde
A sua ideia.

sexta-feira, 23 de março de 2018

quinta-feira, 22 de março de 2018

quarta-feira, 21 de março de 2018

106.

Pensar além do meu
Além
Ver como tu andas
Completamente lixado - e tu, e tu, e tu...
A cada um seu infinito...
Egoísta
Mesquinho
Sectário
Há que saber diferenciar se é
Doença
Ou se é enferma configuração
De espécie
Ou dito de outra maneira, 
Se é mesmo esse soro que alimenta
Ou o desmaio alheio
Da indiferença
Na Galiza dizem que se te vendes de borla 
Tratam-te como escravo
Verdade é que só querem tudo de graça
Assim se indignam meneiam-se
É toda a forma como se penteiam...

- Elimina-se o supérfluo e as palavras mexem-se, a frase é outra, tem de fazer pela vida.



quarta-feira, 14 de março de 2018

sábado, 3 de março de 2018

105.


Culturismo Literárioespécie de saber de oficina feito que serve apenas para mostrar músculo. Capaz de transformar o mais absoluto virtuosismo e saber filosofico-literário em vácuo. Costuma ser portador de currículos e é sumamente utilizado como farda de almirante. Há quem lhe gabe as qualidades afrodisíacas. 
O Século XX costuma ser seu habitat de pastorícia, seus praticantes também costumam, por desfastio, ir dar uma volta à Grécia antiga.... Seus detractores acusam-nos do paradoxo do niilismo de banquete.  Mundialmente expandido e com muita pujança em Portugal - só o ano passado, por exemplo, Portugal ficou em 3º lugar no WLC - o Culturismo Literário tem até uma igreja própria, tal singularidade põe muitos a pensar em paralelos com a argentina Igreja Maradoniana, nada tem que ver uma coisa com a outra, pois se para a Igreja Maradoniana, Diego Armando Maradona é Deus, já para o Culturismo Literário a divina ideia é que já foi tudo escrito. 

sexta-feira, 2 de março de 2018

A Escolha do Jorge

Ao ler o conto de abertura, tive uma vaga sensação de ter regressado às ilhas, como se ali, no decurso da narrativa, constassem episódios que me eram de certa forma familiares dado, talvez, a exiguidade e a geografia das ilhas que promove um certo modo de vida que lhe é específico e, não raras vezes, estranho a quem é de fora, além do carácter insólito de algumas das histórias apresentadas.A conquista foi imediata para a restante leitura da obra. Os dados estavam lançados sendo raro acontecer uma primeira obra de ficção prender a minha atenção, tanto pela qualidade da escrita, como pela originalidade das histórias trazidas a conto.Lisboa é o centro nevrálgico da grande maioria dos contos. Os personagens vivem e deambulam na cintura urbana da cidade com todos os tiques que habitualmente reconhecemos naquilo que nos é próprio, característico, não esquecendo todos os aspectos da vida quotidiana em permanente mutação.

Jorge Navarro, aqui

104.

Tempos curiosos estes em que o coberto tanto se torna descoberto, e é tão descoberto, o coberto. 
Coberto no que as pessoas dizem que são. Descoberto na forma como realmente actuam...

Estou a ver tudo de Espanha, detrás das montanhas, 72 quilómetros de Chaves - tudo exposto, pensamos, mas hás de saltar mais alto que toda essa lava feita em merda. Ou talvez não. 
Gráficas omissões contra a parede - salta! Apenas te projectam contra a parede -  salta! 

Acabei de ver um filme que de todo desconhecem. É a quinta vez que o vejo. Então as sombras já não contam para nada. Ou por exemplo a educação ou a falta dela nos personagens, e muito menos aquilo que realmente sabem.

Até há teses gráficas do silêncio. Segredam até dentro das almofadas.